É interessante observar a
insistência de líderes religiosos e apoiadores da teoria conspiratória QAnon na
promoção do filme "Som da Liberdade" e em encorajar seus fiéis a
assistir à produção. Essa estratégia suscita uma série de questionamentos sobre
as verdadeiras intenções por trás dessa ação.
Nos últimos anos, o Brasil
tem sido palco de um fenômeno preocupante: a disseminação das teorias
conspiratórias QAnon, que ganham terreno em nosso país por meio de figuras
públicas e grupos extremistas. Essas teorias, que têm sua origem nos Estados
Unidos, estão encontrando um ambiente fértil entre parte da população
brasileira, especialmente entre os seguidores da igreja evangélica e a chamada
bancada da bíblia. Neste artigo, discutiremos como o lançamento de um filme e a
retórica de alguns políticos e líderes religiosos estão contribuindo para a
difusão dessa absurda teoria.
O filme em questão, "Som
da Liberdade", lançado nos Estados Unidos, é baseado na história de Tim
Ballard, um ex-agente especial de Segurança Nacional que liderava o grupo
"Operation Underground Railroad", dedicado ao resgate de crianças de
redes de exploração sexual. A premissa do filme é nobre: a luta para salvar
crianças vulneráveis da crueldade dos traficantes. No entanto, o problema
emerge quando a narrativa do filme se enreda em um proselitismo ideológico,
promovendo teorias conspiratórias que têm o potencial de dividir a sociedade.
QANON É MAIS ADERENTE ENTRE RELIGIOSOS
A teoria conspiratória QAnon
tem se mostrado atraente para aqueles que buscam explicações simplistas e
conspiratórias (como no caso do cristianismo) para problemas complexos. A QAnon
promove a ideia de que existe uma batalha secreta entre heróis (como Donald
Trump) e vilões (alegadamente, pedófilos adoradores de Satanás) infiltrados nos
governos, na imprensa e nas corporações. Ao associar o filme "Som da
Liberdade" a essa narrativa, os seguidores do QAnon podem tentar legitimar
suas crenças e recrutar novos adeptos.
A distribuição gratuita de ingressos para o filme também desempenha um papel crucial nessa estratégia. Ela não apenas incentiva a participação dos fiéis, mas também cria um senso de comunidade em torno da narrativa apresentada no filme. Ao assistir juntos, os espectadores podem sentir que estão fazendo parte de algo maior, reforçando a adesão às mensagens propagadas pelo filme.
UM NOVO LÍDER PARA OS CONSPIRACIONISTAS QANON
O filme deixa claro que a intenção principal não é denunciar o tráfico de crianças, um problema real e complexo, mas sim dramatizar um problema grave com a intenção de criar um herói. A prioridade aqui é o heroísmo do protagonista. Como já vimos, a teoria da conspiração QAnon gira em torno da figura de um salvador e requer um herói para liderar a luta contra os supostos progressistas pedófilos. Com Trump praticamente fora de cena politica, surge a especulação de que o filme possa ser uma ferramenta para preparar o terreno para um sucessor deste líder.
O filme explora profundamente as emoções do protagonista, destacando sua luta pessoal contra o mal. As cenas são carregadas de tensão e drama, o que cria uma conexão emocional com o público. Isso é típico de narrativas que buscam criar um herói libertador que o público possa admirar e apoiar.
AS ARMADILHAS NA TRAMA DO FILME 'SOM DA LIBERDADE'
A trama insinua a falsa tese
de que progressistas seriam responsáveis pelas redes globais de tráfico sexual
infantil, uma narrativa popularizada nos Estados Unidos pelo movimento QAnon.
Essa teoria conspiratória alega que líderes de extrema-direita, como Donald
Trump, estariam travando uma guerra secreta contra pedófilos adoradores de
Satanás infiltrados nos mais altos escalões do governo, da imprensa e das
grandes corporações. Embora o filme não faça uma referência direta ao QAnon, a
associação surge devido à proximidade do ator Jim Caviezel, protagonista do
filme, com o grupo.
Jim Caviezel, em 2021,
participou de uma conferência temática QAnon e declarou que o movimento era
"uma coisa boa". Essa associação entre o filme e o QAnon é altamente
preocupante, pois legitima teorias conspiratórias perigosas que têm o potencial
de criar divisões profundas na sociedade.
A IGREJA COMO PRINCIPAL
CATALIZADORA DA DESINFORMAÇÃO
O problema não para por aí.
Parlamentares de extrema-direita, evangélicos e membros da bancada da bíblia
têm aproveitado a repercussão do filme para promover sua própria agenda. A
pré-estreia em Brasília, que contou com a presença da família Bolsonaro, da ex-ministra
Damares Alves e do deputado Mário Frias, ilustra como políticos estão usando o
filme como ferramenta para reforçar sua narrativa. Damares Alves, por exemplo,
afirmou que "Deus ouviu o clamor das crianças", estabelecendo uma
conexão entre o filme e sua visão religiosa.
Emocionada com estas imagens! O Brasil inteiro assistindo o filme Som da Liberdade
— Damares Alves (@DamaresAlves) September 30, 2023
Vejam a galera querida da Comunidade das Nações lotando uma sala de cinema aqui em Brasília
As crianças gritam por socorro.
A arte em defesa das crianças!
Valeu Bispo @jbcarvalho
Amo vocês… pic.twitter.com/4sQ2didpMs
Essa relação entre a igreja
evangélica e a disseminação de teorias conspiratórias como o QAnon é
preocupante, pois confunde questões legítimas, como o combate à pedofilia e
exploração infantil, com agendas ideológicas extremistas. Isso deixa ainda mais
óbvia a baixa credibilidade da igreja e contribui para a polarização da
sociedade.
Outro ponto relevante é a
incoerência por trás da história do ex-agente Tim Ballard, que serviu de
inspiração para o filme. Apesar de seu trabalho notável na luta contra a
exploração sexual, ele foi afastado permanentemente após acusações de
importunação sexual por várias mulheres. Essa contradição deve nos fazer
questionar a validade de usar sua história como um símbolo de heroísmo.
É fundamental que a população
brasileira esteja alerta para o perigo das igrejas e das teorias
conspiratórias, como o QAnon, que estão se infiltrando em nossa sociedade. A
disseminação dessas teorias, muitas vezes ligadas à bancada da bíblia, ameaça
nossa coesão social e nossa capacidade de debater questões legítimas de maneira
construtiva. É responsabilidade de todos nós separar o que é verdadeiro do que
é absurdo e buscar informações baseadas em evidências sólidas em vez de ceder a
narrativas extremistas e conspiratórias.
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